sábado, 20 de setembro de 2008

Bestializados ou Bilontras ? (José Murilo de Carvalho) Síntese

O inicio do regime republicano no Brasil em final do século XIX desencadeou dentro do cenário nacional uma série de expectativas e anseios sobre o imaginário popular, principalmente, de qual seria o direcionamento deste novo regime e de como se daria a nova relação entre os cidadãos e o republicanismo.
No cerne desta temática, o capitulo V, do livro: os bestializados, do historiador José Murilo de Carvalho, traz a tona a emblemática de como se estabeleceram as relações entre a nova forma de governo e sua população, especificando exatamente em seus estudos a cidade do Rio de Janeiro, que naquele momento era a atual capital administrativa do regime republicano brasileiro.
Intitulado: Bestializados ou Bilontras (o mesmo de espertalhão, gozador), este capitulo aborda sobre diferentes primas às visões ou expectativas geradas em torna do cidadão republicano brasileiro. Ao iniciar sua proposta de estudo o autor lança de premissa que, ao se instaurar o sistema republicano criou-se uma inúmera quantidade de expectativas e anseios por parte dos intelectuais da época e das lideranças de uma certa elite republicana sobre a ação popular neste novo regime, como também houveram aspirações dos líderes das alas operarias mais radicais para que esta população tivesse um vida política mais ativa com o novo estado.
Neste momento, esperava-se da população brasileira a mesma reação que aconteceu em países europeus quando instauraram suas repúblicas, ou seja, que este povo agora tivesse consciência da possibilidade de sua ação política, formando partidos políticos, discutidos idéias sobre o gerenciamento do estado, influenciando nas decisões estatais, enfim, uma organização civil ativa que agisse diretamente no estado e estabelecesse os direitos e os deveres neste novo tempo da sociedade brasileira.
Entretanto para perplexidade de ambos a população carioca em sua boa parte, estava organizada através associações civis de caráter comunitário que não tinham entre seus interesses ações ou atividades que promovessem, por exemplo, formações de partidos políticos, estas organizações civis tinha fins de cooperação e assistencialismo, para determinados grupos ou mesmo fins religiosos ou festivos, alias ambos ao mesmo tempo.
Este posicionamento da maioria da sociedade carioca nos primórdios da republica fez que muitos pensadores, que ao enxergarem a apatia política desta população, principalmente os membros das elites, classificaram esta população de vários nomes pejorativos, como; ignorantes, imbecis, e até de bestializados. Essa postura das camadas das elites de descrença e desprezo pelo povo, do qual não compreendiam este como povo era fortalecida através das grandes festividades e arruaças que esta população promovia, misturando na festas religiosas elementos sagrados e profanos de diversas culturas, como por exemplo, o fado, o samba e a capoeira.
Entretanto apesar da população se organizar de uma forma distinta dos modelos esperados pela elite e pelos movimentos operários mais anarquistas, este povo não estava alheio ao estado, agiam e reivindicavam ações públicas do ponto de vista comunitário, como; arruamento, limpeza pública, transporte, como também exigiam retaliações contra arbitrariedades e exploração de fiscais e funcionários públicos, porém essas exigências não se tratavam de queixas ao governo, mas sim de demonstrar aquilo que a população considerava legitimidade do estado, não caindo aqui na tentação de achar que este população queria uma intervenção mínima do estado, ou seja, que fossem seguidores do liberalismo. Na verdade esta população se via como súditos do estado, no qual necessitavam de sua presença, porém não se enxergavam ainda como agentes fundadores deste estado e muito menos participativo dele como esperava os intelectuais políticos da época.
Buscando entender o porquê deste comportamento popular dentro da capital republicana naquele momento, o historiador, se lança em algumas linhas de explicações teóricas possíveis de entendimento, assim volta seus olhos para compreender como se deu a história das cidades em seu fenômeno urbano. Trançando um paralelo com o trabalho do sociólogo Marx Weber e com outros pensadores brasileiros, como; Alberto Sales, o autor mostra que as cidades que historicamente foram oriundas das culturas ibéricas tenderam a integração, ao holismo, enfim, a valorizar o todo sobre o individual, estas cidades geralmente latinas americanas vão de contraponto com as cidades de gêneses nas culturas anglo-saxões que valorizam, o individualismo, a liberdade individual e o particular sobre o coletivo. A base do argumento weberiano se elucida que as regiões anglo-saxões e ibéricas foram cortadas por tendências teóricas distintas de cidades, na qual, enquanto uma por um bom tempo foi à fortaleza do catolicismo e da representação de uma sociedade nos princípios da hereditariedade, da nobreza e da monarquia, as cidades herdeiras das culturas anglo-saxões absorveram com primazia as implicações ressonantes das reformas protestantes e da revolução cientifica, fatos que consolidavam os valores burgueses nas formações destas cidades.
Outra linha de explicação explanada pelo historiador trata-se das características das cidades latinos americanas, principalmente o Rio de Janeiro, formada no século XVI com o principio de ser um centro administrativo e político da colônia, porém será em 1808 com a chegada da corte portuguesa que a cidade se desenvolvera como cetro comercial do império ultramarino português, sendo base de passagem para o trafico negreiro com a metrópole. Esta condição de corte e de centro político fez da cidade carioca e sua população quase que sua totalidade vivesse especificamente através dos cargos públicos e do comercio, não se formando uma atividade produtiva, como em: são Paulo, Buenos Aires e Pernambuco.
Contundo essas duas linhas de explicação não são capazes de explicar os traços e nem o imaginário desta população, principalmente, os seus pontos de vista do que era o republicanismo no Brasil, para José Murilo, o Rio de Janeiro dessa época havia se tornado um campo de força de ordens e desordens, de um lado uma elite preocupada com o estabelecimento de novas leis que regessem a ordem social, do outro, a tradição, o jeitinho, as espertezas e as ironias de uma população carioca que se amarava em valores populares e que tinha suas próprias leis alheia a constituição, só se revoltavam quando o estado tentava impor suas leis formais na base da repreensão, como na revolta da vacina, porém logo era contornado. Na verdade o que existia era uma separação do real e do formal, a república não era levada a sério por esta população, representando uma mera formalidade, sendo motivos de muitas chacotas nos jornais contemporâneos da época, revelando aí a fragilidade deste regime em se consolidar como o consenso de sua população, portanto o povo não era bestializado, mas sim um bilontra deste regime enfraquecido e sem consenso popular.





Referência

CARVALHO, José Murilo de,. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi . 3.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 196 p. ISBN 858509513X (broch.)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O mundo na década de 1780 (Eric j. Hobsbawm) Síntese

O texto do historiador inglês, Eric j. Hobsbawm, intitulado: o mundo na década de 1780 traz um retrato do ocidente europeu em suas transformações políticas, econômicas, culturais e sociais, discutindo as implicações destas transformações do ponto de vista europeu e mundial. A abordagem do autor repercute nitidamente de como este período pré-revoluções (a industrial inglesa e a francesa) deixava visível a confrontação entre dois tipos de sociedades; a de herança medieval e suas evoluções e adaptações como; a monarquias absolutas nacionais e o despotismo esclarecido, contra a gênese de uma nova idéia de mundo regido pelos valores comerciais e mercantis europeus, que pregavam alguma forma de interação política diferente da lógica do nascimento, do sangue e da hereditariedade dos nobres.
Para melhor compreensão da explanação de Hobsbawm iremos seguir os setes pontos levantados pelo autor para o entendimento deste período, valendo-se ressaltar que as divisões destes pontos foi uma forma organizacional que o escritor fez para que seus leitores compreendessem a lógica de seu discurso.
O primeiro apontamento de Hobsbawm sobre o mundo no período de 1780 trata-se de suas dimensões geográfica, cartográfica e demográfica, neste trecho se repercute que a Europa do século XVIII era menor e ao mesmo tempo maior que a conhecermos hoje. Os contornos cartográficos na década em questão eram bem menos detalhado do qual temos hoje, pois apesar das descobertas marítimas terem sido iniciadas no final do século XV e mais adentro no XVI, pouco se havia explorado do ponto de vista interiorano das colônias, criando assim verdadeiros vazios ou brancos nos mapas europeus, principalmente nas partes centrais das Américas e da áfrica.
Geograficamente, a Europa desconhecia boa parte das formações dos seus rios e suas profundidades oceânicas navegavam na superfície conhecida e não tinha idéia das origens das correntes marítimas, o mundo era apenas uma “ponta do iceberg”. Entretanto não só no mundo físico europeu era menor do qual temos hoje, na ótica humana, principalmente demográfica, a população mundial era bem menor do que temos atualmente.
Esse quantitativo populacional estava em grande parte espalhado pelo globo, em sociedades de diferentes modos de vidas e culturas. E as ligações entre essas sociedades e regiões eram quase nulas, sejam do ponto de vista cultural e/ou de transporte, pois dentro do próprio continente europeu existiam amplas áreas como os Bálcãs, a escandinava e sul da Itália que tinham grandes dificuldades de acesso e locomoção, pois os meios de locomoção ainda estavam em fase de formulação como, por exemplo, a malha ferroviária inglesa, porém este início de desenvolvimento nas vias de transportes terrestres não era capaz ainda de atingir todo o continente europeu.
Se as limitações cartográficas, geográficas, e populacionais em níveis quantitativos faziam do mundo menor do que temos hoje, as dificuldades de locomoção o faziam maior do que hoje, onde o meio mais fácil de transportes eram as vias marítimas que exploravam apenas o litoral e os contornos das regiões, em compensação deixavam suas regiões interioranas isoladas e estáticas dos benefícios advindo pela locomoção rápida e eficiente, como o comercio inter-regional.
No segundo ponto o autor enfatiza que a sociedade européia presente no final deste século XVIII era tipicamente rural, pois boa parte de sua população se encontrava entrelaçada com os modos de vidas rurais e tiravam da terra os meios de sua sobrevivência, onde até o comércio dependia do excesso da produção de sua área agrícola. Nesta linha de pensamento o autor busca a origem do urbano neste período, da formação das cidades, segundo os conceitos contemporâneos, como por exemplo: o de grandes centros político-administrativos com grandes concentrações econômicas e demográficas, entretanto neste momento histórico este conceito atualizado de mundo urbano só era possível ou um pouco visível em Paris e Londres.
O urbano neste período estava diretamente entrelaçado com o campo, pois seguindo a lógica do autor, a população vivia estática e dependiam da produção agrícola, aqueles que viviam do comercio dependiam do excesso da produção agrícola que advinha através sua comercialização, estes comerciantes, regiam o escoamento desta produção com o único principio de sobrevivência. Esse tipo de entrelaçamento regular entre campo-cidade na formação das províncias européias, Hobsbawm chamou de cidades provincianas, onde a distância entre o centro, comércio e campo eram relativamente pequena e o contingente populacional destas cidades não eram de grandes dimensões quantitativas.
Nestas pequenas regiões começou a surgir a diferenciação entre o homem do campo e o homem urbano, pois as disparidades de suas atividades práticas, onde o camponês se restringia as atividades rurais e o negociante as atividades do comércio criaram uma diferenciação ideológica do qual o camponês será o “ignorante” e o comerciante o “erudito”. Contudo essas cidades não conseguiam se proliferar por muito tempo, pois a restrição comercial de sua localidade que geralmente produzia o mesmo produto e principalmente uma mesma quantidade determinada, não resistiu ao início de um comercio mais aberto e dinâmico, onde a circularidade da produção entre regiões poderiam arruinar sua atividade agrícola, do qual estas cidades se protegiam através do protecionismo de sua produção rural para se perpetuarem, porém serão desvanecidas.
O terceiro ponto explana mais adentro a questão rural neste período, repercutindo a relação existente entre a propriedade e os que cultivavam, pois a terra até então era a única fonte de renda e de poder perante a sociedade, não é à toa, que a primeira escola econômica, os fisiocratas, buscou nas relações do campo o equilíbrio econômico para os estados europeus. Neste sentido Hobsbawm faz um balanço de como se utilizavam a mão-de-obra nas atividades agrícolas neste final de século, exemplificando através de três grandes segmentos; o primeiro se trata das colônias do além-mar, representados pelas colônias americanas, onde o lavrador era um índio num trabalho semi-escravo ou dos negros presos na instituição da escravidão. O segundo segmento, os das índias orientais, os lavradores eram obrigados a dar cotas de suas produções. O terceiro segmento, o leste europeu, aonde a servidão era comparável tecnicamente a escravidão africana, onde as obrigações servis prendiam qualquer liberdade por parte dos lavadores que sofriam com coerção política deste mundo agrário.
Neste sentido o que se reproduzia nesta sociedade era grandes senhores de terras e verdadeiros donos da mão-de-obra camponesa através de seus mecanismos de coerção extra-econômica, que podia ser um trabalho indígena, escravocrata ou das obrigações servis medievais. A propriedade representava neste período todo esse controle sobre as massas lavradoras galgando para aqueles que a tinha (a terra) todo um prestigio político diferenciado em correlação a aqueles que não tinham a propriedade, mais especificamente, os que cultivavam ou viviam de sua comercialização.
O quarto ponto expõe de como essa estrutura social existente neste período (1780) aos poucos foi se modificando ao ponto de incumbir em uma revolução (a francesa). Nesta sociedade onde a propriedade era pertencente aos nobres e por onde, era através da terra que os nobres mantinham seu status de dominadores, foi se transformando principalmente quando os custos da produção da propriedade em conjunto com os aumentos dos preços fizeram que boa parte dos nobres buscasse novas fontes de rendas, mais especificamente através dos serviços administrativos do estado monárquico, abrindo uma nova relação para com camponês e a terra.
Neste momento, os senhores de terras começaram a alugar suas propriedades em trocas de rendas e os camponeses começaram a desfrutar de sua própria produção e de sua própria terra com certa liberdade para comercializar sua própria produção ou re-alugar seu terreno, apesar de as obrigações servis ainda permanecerem, esta implicação possibilitou o desenvolvimento de uma agricultura fixada na renda, no capital, destruindo aos poucos as relações de trabalhos servis na Europa, já que no resto do globo, ainda não tinha chegado esse momento.
No quinto ponto é exposto o desenvolvimento econômico e o crescimento da classe mercantil neste período. A consolidação da exploração colonial se tornava cada vez mais fortuito, pois a redes marítimas conseguiam interligar relações comercias entre os diversos continentes, desde da troca de especiarias nas índias orientais passando pela Europa, África no tráfico negreiro, e até as Américas onde exportavam, açúcar, milho e mais tarde algodão para Europa. Os lucros obtidos por essas empreitadas eram exorbitantes para aquela época, o que tornavam o homem mercador, neste período, o novo ideal de homem para esta sociedade.
Nesta perspectiva outro fator primordial contribuiu para o fortalecimento deste novo ideal de homem, dinâmico, livre que navegava e comercializava seus produtos no mercado, que foi o desenvolvimento das ciências que enfatizava na questão do progresso, da tecnologia e da razão como amplificadores destas rendas e dessas relações comerciais lucrativas. O iluminismo veio a contribuir com esse novo ideal aspirado, criticando todo governo que regido sobre o monopólio privasse a liberdade individual, e principalmente a liberdade de comércio dos indivíduos.
O sexto ponto levanta justamente os motivos das derrocadas das monarquias absolutistas na Europa, pois neste exato momento os regimes absolutistas se encontravam em um dilema incapaz de resolvê-lo. De um lado tinha seus antigos aliados e certamente a origem de seu poder, ou seja, a explicação da divindade de seu poder, a hierarquia, o sangue, enfim, a tradição nobre gênese do seu poderio advinda do final da idade média. Do outro lado, o surgimento de um novo ideal fixado no progresso e na necessidade de liberdade para estabelecimento das relações mercantis, essencial para consolidação econômica que um estado precisa, porém em troca, exigiam participações nas decisões políticas, até então restritas ao rei e os nobres, e o fim das relações servis no campo.
Juntam-se a esse dilema as pressões internacionais, principalmente as guerras, como por exemplo, as dos setes anos e revolução americana financiada pela coroa francesa. Essas monarquias não conseguem mais achar um meio termo entre interesses tão distintos, e acabam sucumbindo literalmente através da revolução.
O sétimo ponto trata-se de resumo geral do resultado de todos os outros pontos, no qual ele aborda as relações da Europa ocidental com o resto do mundo, por onde o produto de toda essa transformação se verificou através do completo domínio político e militar do mundo por esta região (a Europa ocidental). Portanto a Europa por ter conseguindo primeiramente consolidar a lógica de uma nova sociedade calcada na liberdade, no individualismo, na razão e no progresso, advindo com fim das monarquias, ganhou os presságios e os mecanismos para conseguir através da exploração capitalista estabelecer um predomínio mundial que só seria mais tarde perdido, devido às duas guerras mundiais, deixando o posto para o EUA.
O texto de Hobsbawm traz a tona todo um cenário que desencadeou em duas revoluções, a industrial inglesa e a francesa, porém sua abordagem marxista fixa os olhos dos leitores para as questões econômicas, focando principalmente nas relações estabelecidas entre propriedade, lavrador e comerciante.
Sua explicação parte do campo econômico, sendo este, o motor transformador das relações sociais, culturais e políticas, repetindo assim aquela velha formula marxista de infra-estrutura sobre superestrutura, onde a economia e os modos de sua produção são o ponto de partida para as transformações da realidade. Exemplificado isso no texto, podemos reparar quando o autor explana sobre o iluminismo que primeiramente ele foca no estabelecimento do novo homem surgido pelas relações comerciais em ascensão nas colônias, entendendo o iluminismo como um desdobramento do homem mercantil.
Contundo apesar da tendência historiográfica a parte de Hobsbawm, o texto traz uma excelente bagagem de informações necessárias para se compreender o desenrolar desta nova sociedade contemporânea.


Referência

HOBSBAWM, E. J.. A era das revoluções: Europa 1789-1848 . 15. ed. -. São Paulo: Paz e Terra, 2001.. 366 p. ISBN 8521901720 : (broch.)