segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA E O VERMELHO E O NEGRO (RESENHA)

Antes de qualquer assertiva, podemos dizer que O Vermelho e o negro[1] é uma obra clássica do gênero romântico do século XIX, retrata com grande veemência e com riqueza de detalhes o cenário histórico em que a sociedade Francesa se encontrava após a queda de Napoleão. Traz de fundo os conflitos políticos entre os liberais dispostos a consolidar uma república burguesa, contra uma tentativa de contrapartida da população menos favorecidas de instaurarem princípios mais democráticos na república Francesa em meio à primeira metade deste século.
Essa obra prima consegue dar ao leitor a sensibilidade literária de enxergar os diversos comportamentos presentes no cotidiano daquela sociedade. Com grande realismo, Stendhal, pseudônimo de Marie-Henry Beyle, consegue descrever os sentimentos e as emoções presentes numa época marcada pela perda dos valores morais e pela ascensão da ambição e da riqueza material dos homens.
Primeiramente para entender a lógica dissertada pela obra, se faz necessário anteriormente laçarmos “luzes” sobre a vida do autor em questão. Marie-Henry Beyle ou Stendhal teve sua origem na cidade Grenoble (França) em 23 de janeiro de 1783. Estudou muito jovem, mais precisamente aos dezesseis entrou na École Centrale de Grenoble, sendo reconhecido dentro desta instituição pelo seu brilhantismo intelectual.
Logo não demorou muito para que Marie-Henry Beyle ambicionasse atingir com seu brilhantismo as praças intelectuais da capital Paris. Tinha de principio a intenção de se matricular na Escola politécnica. Neste período semeou para dentro de si os ideais republicanos e anticlericais contrários a sua realidade provinciana mais conservadora em Grenoble.
Entretanto devido as suas péssimas condições financeiras teve que se lançar intensamente na carreira militar, participou com grande firmeza da campanha Francesa na Itália como subtenente do VI regimento de Dragões. Foi na Itália que Marie-Henry Beyle pode estudar e freqüentar teatros, museus e galerias. Sempre que possível durante suas incursões militares anotava todas as observações que sua vida tinha lhe proporcionado a ir tão longe de sua aspirada Paris.
Terminado a Campanha militar, Stendhal pode finalmente ingressar em Paris e procurou delinear como seu principal objetivo naquele momento, torna-se um autor dramático, porém ainda teve problemas com as condições financeiras e teve que voltar à carreira militar, mais adiante conseguiu para si alguns cargos públicos, quando morreu em 22 de Março de 1842, era Cônsul em Civitavecchia. Marie-Henry Beyle Tornou-se especialista no gênero romântico, e suas obras são consideradas clássicas deste estilo literário.
Neste breve sinopse sobre a vida do autor do Vermelho e o Negro, podemos nos atrever, sem lógico de dizermos aqui que não estarmos à margem de qualquer erro, a fazer uma reflexão construtiva ou uma ponte crítica que possa existir na relação entre a figura de Julien Sorel, principal personagem da obra e a vida pessoal de Stendhal que acabamos de descrever.
Parecermos aqui muito similar que ambos, Julien Sorel e Stendhal tenham partido de uma província Francesa em direção a Paris, não será mesmo? E que ambos respectivamente tinham uma capacidade cognitiva acima da média, pois Julien Sorel sem muita dificuldade aprendeu o latim e decorava trechos de páginas inteiras dos jornais, e por incrível que pareça que essa comparação inocentemente começa a se confirmar, é que ambos se esbarraram na condição financeira do seu nascimento. Parece ser muito coincidência para dizermos que foi apenas uma obra do acaso ou não?.
Podemos dizer que a figura de Julien Sorel não se trata na verdade do próprio autor transfigurado dentro de sua própria história? Pergunta emblemática essa que montamos. Podemos ratificar como argumento verídico de nossa comparação entre Julien e Stendhal, Ao levarmos em conta a forma como o autor já no meio do livro começa a se deslizar-se e a perdesse ao se referir a Julien Sorel com a palavra Herói, ou melhor, como nosso herói, no qual como podemos vê nitidamente no trecho abaixo que selecionamos;

“ Os primeiros passos de nosso herói[2], que se considerava tão prudente, foram como a escolha do confessor, leviandades. Arrebatado por toda a presunção de ser um homem imaginoso, ele tomava suas intenções por fatos e supunha-se um hipócrita consumado.” [3](STENDHAL, p: 174)

A figura do herói em volta da imagem emblemática de Julien não poderia na verdade ser o próprio autor tentando se auto-gloriar de sua vida através de seu romance? Sendo este personagem o seu reflexo na história?. Certamente não conseguiremos achar respostas dentro do livro, pois entramos no jogo da subjetividade, aonde se houve intenção de Marie-Henry Beyle de fazer ou não fazer isso, só o próprio, poderia nos responder com veemência, e nas minhas pesquisas não encontrei nenhum texto seu que afirmasse que Julie Sorel fosse seu espelho na historia do Vermelho e o Negro.
Seria bastante intrigante se aqui buscássemos colocar a imagem de Julien Sorel associado a determinado lado no conflito político que aconteceu durante todo o cenário da história. Julien Sorel poderia ser um liberal? Um moderado? Ou simples camponês revoltado? Mais uma vez deixo nítido que o que irei descrever trata-se de uma opinião pessoal e conseguintemente esta passível de erros.
Ao analisar a figura de Julien Sorel, Eu me sentir extremamente indisposto e a angustiado, pois não conseguir enquadrá-lo em nenhum dos padrões partidários que explanei logo acima, para mim Julien não era nem liberal e nem moderado e nem muito menos um camponês revoltado, por mais que este último possa ser-lhe atribuído a ele devido a sua origem provinciana na cidade de Verrières.
Julien Sorel durante toda sua trajetória histórica se permeia através de laços de compromissos e de relações de forças com os mais diversos grupos sociais de sua sociedade, contratando durante toda sua caminhada, quase como sempre, com a triste realidade de ter sido filho de um carpinteiro provinciano.
Entretanto sua relação conturbada com seus irmãos e com seu pai, pequenos camponeses inseridos no comercio de madeira provinciana, fazia-lhe ter certo desgosto pelo estilo rústico e grosseiro em que seus familiares levavam a vida, pois apesar de no final de sua vida já no calabouço dirigido a ser guilhotinada, tenha admitido para si mesmo o mérito do pai sobre os nobres das sociedades que tinha vivido em Paris, quase lhe colocando como superior, este ideal camponês não cairia bem para Julien Sorel que rejeitava a visita do pai durante todo tempo que esteve na prisão.
Julien Sorel talvez fosse um homem que não se permitia ser encaixotado como um ser de “essência” permutou de opinião varias vezes durante a história, sua crítica ao nascimento e a sociedade de castas francesa em Paris traz consigo também os elogios aos seus costumes e os jeitos “civilizados” que estes se relacionam, principalmente em meio a grosseira burguesa transfigurada em figuras como do Sr Valenod.
Compreendeu como ninguém a forma como a nobreza estruturava suas formas de relações, entendia aquilo que chamou de “espírito” ou polidez nobre, sendo a necessidade de criar uma espécie de “identidade” própria desta casta, que a distinguia sobre as demais classes. Entretanto somava se a esse requisito aquilo que era essencial ao nobre, que era ter um bom nascimento.
Podemos reparar que várias vezes durante a história, a imagem de Julien vai ser considerada como de uma alma “nobre“, sem lógico nos iludirmos em dizer que este tivesse algo de nobreza, pois sabemos da hipocrisia que movia o “espírito” de Julien, principalmente pela sua ânsia em ascender socialmente independente dos meios que iria usar para atingir.
Talvez por essa gana de querer ascender socialmente de forma rápida e a qualquer custo, que este, não procurou “tomar partido” nesse conflito político e filosófico sobre os direitos dos nobres, apesar de achar abominável a idéia de superioridade que estes tinham sobre as demais classes.
Durante sua trajetória Julien foi vítima e prejudicado diversas vezes por este princípio que diferenciava os homens, inclusive a morte dele (Julien) foi um pouco relacionada a esta questão das castas, pois se aqueles que inocentemente pensarem no caso de suposição que se Julien fosse nobre de nascimento a história teria um final feliz, cassando tranquilamente com Mathilda, estão demasiadamente equivocados, pois o mesmo (julien) não se admitia ser feliz vivendo sobre tal conduta nobre.
Julien detestava e até odiava a forma como os nobres mantinham sua amizades, ou melhor, como muitas vezes é aparecido no livro através dos contingentes de seus “salões de falsas amizades” estando isto acima de toda sua moralidade, entretanto entedia que era o maior número de relações influentes que determinavam o nível de poder de cada nobre, ou seja, o poder está na relação. Julien passou toda sua estadia no palácio do Sr. La Mole para compreender essa implicação, e exatamente por isso procurou como objetivo entendê-los primeiros que criticá-los ferozmente.
Uma passagem muito interessante sobre a postura de Julien pode-se relatar através de um jantar acontecido no palácio de La Mole quando o mesmo (julien) indagado sobre certo filosofo por Mathilda elabora de certa forma exagerada uma assertiva crítica aos críticos da alta sociedade, porém mesmo sendo ele um, perpassando de forma nítida sua hipocrisia de forma muito bem realista.
O seguinte trecho faz menção a J.J. Rousseau e sua obra Contrato social, vejamos:
“ Uma palavra atingira a imaginação de Julien, afastando dele qualquer ilusão. Sua boca exprimiu um desprezo qualquer talvez um pouco exagerado.
- J.J. Rousseau – respondeu ele – não passa, para mim, de um tolo, quando se põe a julgar a alta sociedade; ele não a compreendia, e nisso tinha uma alma de Lácio parvenu.
- Ele escreveu o Contrato social – disse Mathilda, num tom de veneração.
- Enquanto prega a república e a destruição das dignidades monárquicas, esse parvenu embriaga-se de felicidade se um duque muda a direção de passeio depois do jantar para acompanhar um dos seus amigos”[4] (STENDHAL, P: 273)


Antes de falarmos dessa crítica de Julien a Rousseau, temos que nos referimos ao termo parvenu usado por ele. Esta palavra francesa extremamente pejorativa se referia aos indivíduos que ascendiam socialmente além de sua classe, estes, eram mal visto perante os olhos da alta sociedade, quase como se fossem possíveis revolucionários, e certamente encabeçavam as fileiras dos liberais, sendo estes em boa parte de sua maioria burguesa, ou seja, burgueses que ganhavam títulos e cargos dos governos como; as prefeituras e governadores de determinados departamentos franceses, como o caso do Sr. Valenod no final do livro.
Julien criticou Rousseau por desconhecer completamente as formas como se relacionavam os nobre e principalmente por este desconhecer como esta alta sociedade se organizava estruturalmente. Julien explanava que era através de um “espírito” ou uma polidez de costumes, refletido através de práticas como o duelo, por exemplo, ou até sua forma política de relação e compromissos, aonde os salões mais cheios representavam maior reputação entre os “iguais” eram na verdade a lógica como estava organizada a nobreza de Paris nessa época, porém para Julien Rousseau não enxergava isto.
Sua assertiva foi mais a fundo a questionar o caráter revolucionário de Rousseau, indagado se o mesmo não abandonaria seus princípios em troca da proteção e/ou dos privilégios que um nobre pode oferecer, assim como ele próprio tinha feito a seguir a carreira de secretario de um nobre da corte, para ele o que importava era a ascensão meteórica e a riqueza, a moralidade estava em segundo plano para Julien.
Essa característica de ascensão meteórica, riqueza a toda custo e falta de moralidade, coloca julien, na minha humilde opinião, como possuidor de certo “espírito” burguês, pois apesar de não ter a propriedade e nem o capital característico de um burguês numa concepção mais clássica e de se recusado a fazer logo de inicio do livro uma associação de comércio com seu amigo Fouqué, Julien não tinha a vontade ser apenas mais um trabalhador braçal de sua pequena cidade provinciana em Verrières. Aspirava ter riquezas para produzir de acordo com o que seu mérito fosse capaz de lhe dar, falta-lhe na verdade um capital introdutório ou um crédito de base, que buscava através da venda dos seus serviços intelectuais, seja como protetor dos filhos da Sra. Renal ou como Secretario do Sr. La mole.
Certamente o ponto mais interessante que tenho desta minha suposição, esta quando eu menciono que existe certo “espírito burguês” em volta de Julien, de fato isso é realmente intrigante, pois acredito que a burguesia ainda não tinha a forma e nem as práticas definidas, portanto não havia ainda práticas que realmente delinear-se o que era ser um burguês no inicio do século XIX, não podemos ser anacrônicos em querer transportar nossos conceitos de burguesia atual ao que estavam sendo evidenciados ainda de que forma tímidas no inicio deste século XIX.
Entretanto se a burguesia não tinha práticas delineadas no momento, a nobreza também via suas práticas se modificarem à medida que este século XIX se desenrolava, a preocupação com a renda e o medo do empobrecimento seria impensável nas cortes dos séculos XV e XVI, a necessidade de controlar os gastos e de terem funcionários remunerados não existia nas mentalidades de seus antepassados.
Na verdade a nobreza deste século não era nem de longe aquela que tempos atrás tinha os poderios incalculáveis. A coragem e a virtude que outrora fazia esta classe mandassem em tudo e em todos com seu poder não se via mais. Sua coragem, ou melhor dizendo, sua prudência neste século, via-se reduzida ao medo de uma revolução republicana e do terror de perderem todas suas riquezas, tinham medo também dos lacaios e dos seus empregados, tinham medos dos Parvenu, estavam encolhidos e conspiravam formas de reverter esta situação.
Podemos evidenciar esta situação calamitosa em que se encontrava a nobreza através de certo “saudosismo” explanado pela personagem Mathilda que ora por outra ressaltava os valores de seus antepassados, não só como uma forma de auto-afirmação de sua casta, mais também como uma crítica aquela nobreza presente sem brilho em que ela enxergava através dos salões, vejamos;

“Oh!, pensava Mathilda, era na corte de Henrique III que se encontravam grandes homens, não só pelo caráter como pelo nascimento! Ah! Se julien tivesse servido Jarnac ou em Moncontour, eu não teria mais duvidas. Nesses tempos de energia e de força, os franceses não eram bonecos. O dia da batalha era quase que o de menores perplexidades. Suas vidas não estavam aprisionadas, como uma múmia do Egito, em um invólucro comum a todos, sempre igual.”[5] (STENDHAL, P: 312)

A nobreza francesa deste século assistia aterrorizada a ascensão do Parvenu, ou seja, burgueses que lhe tomavam os cargos públicos e o controle políticos dos departamentos franceses, e mesmo que muitos destes burgueses ainda se submetessem a lógica das castas e aceitasse sua “inferioridade” perante os nobres, o “fantasma” do ideal inglês de 1688 rondava as cabeças dos mais severos conservadores. Na verdade era a possibilidade de a frança ter os seus princípios monárquicos sendo colocados abaixo de uma constituição e de um poder legislativo que fazia que estes nobres temessem toda hora pela sua situação.
A França dividida entre dois partidos era para a nobreza um grande paradoxo em seu imaginário. Neste panorama político a nobreza enxergava que a menos que seu partido moderado conseguisse esmagar as forças e os ideais contrários propagados através dos jornais republicanos, e de filósofos como Rousseau citado na obra que com seus ideais iluministas propagavam influências sobre as opiniões de imprensas e das juventudes mais liberais jacobinas, e que só assim era possível se manter esta estrutura partidária atual.
No insucesso disto, os nobres teriam que se preparar, portanto, a mão de recorrer para uma idéia mais conservadora ou restauradora, que seria eliminar essa conjuntura partidária oriunda desde 1789. Voltando se isso era possível se pensar ainda, aos tempos dos regimes absolutistas inspirado na imagem de Luís XIV ou até mesmo mais anterior.
Pondo em vista isso Nada mais interessava para estes nobres, as propostas jacobinas, girondinas, liberais ou conservadores, pois estas só lhe chamavam atenção pelo seu caráter imediato. Na verdade queriam restituir o que achavam que eram naturalmente dito como seu de direito enquanto classe; o poder. Não estavam dispostos a ficar disputando como um partido prefeituras ou sub-prefeito de determinados departamentos franceses, os interesses da classe viam na frente do partido.
Neste enquadramento das diversas forças políticas atuantes deste século, é necessário explanar um pouco sobre a forma como a igreja católica é retratada neste livro. A Primeira menção correlacionada a esta instituição está logrado quando Julien decidiu logo de inicio da história se tornar padre, principalmente por causa da riqueza e do prestigio que o cargo lhe poderia trazer.
Na verdade logo já em sua pequena cidade o cura que lhe ensinou latim já indagava ao futuro seminarista a leviandade que a carreira poderia lhe causar, e que dificilmente ele poderia juntar riqueza sem que tivessem ceder favores para determinados políticos locais.
Ao sair da sua cidade provinciana em direção ao distrito de Besançon para dedicar-se aos estudos no seminário, julien contrastou com uma realidade bastante conflitante. Na verdade existia uma “intriga” secular entre os janselistas mais conservadores e os da congregação do coração do bom Jesus, que eram mais liberais. Na verdade os padres se comportavam quase como quem se estivessem em clima de “guerra invisível” por postos eclesiásticos, e o diretor-geral que era janselista e amigo de julien, sofreu diversas vezes os ataques por parte desta ala mais liberal. Muitas destes ataques caiam na figura de Julien, que era considerado como seu pupilo dentro deste seminário.
A vida de Julien no seminário é bastante intrigante, sua postura indiferente diante da maioria dos seminaristas que geralmente eram pobres camponeses com estilos rústicos, fizeram torna-se diferente dos demais e muitas vezes perseguidos pelos companheiros, parece que as mudanças vindas dos conflitos políticos, começavam a se interpenetrar dentro da igreja católica e refletida através de suas práticas.

Voltando para o cenário conflituoso que estávamos descrevendo, tem uma parte muito interessante e minuciosamente explanada no livro quando Sr La mole convida julien ao que parece ser um encontro partidário ou uma convenção de classe, é interessantíssimo quando os membros deste ilustre encontro pedem para que Julien se afaste das mesas de discussões, quase que acusado-o ou mesmo temendo que o mesmo seja um “espião” liberal, mesmo sendo ele o encarregado de levar as decisões ali colocadas para as províncias mais afastadas da capital, neste caso a informação eram destinadas a Strasburgo. Vejamos;
“ – Sr. Sorel – disse o duque - , retire-se para a sala vizinha; depois mandaremos chamá-los.
O dono da casa tomou um ar de inquérito:
- os postigos não estão fechados – disse ele a meia voz para seu vizinho. – será inútil olhar para a janela – gritou totalmente a julien[6].
Eis-me metido, no mínimo, numa conspiração, pensou este. Felizmente ela não é daquelas que conduzem à praça de Grève. Ainda que venha a ser perigosa, eu devo não só isso, mas muito mais ao marquês. Espero que me seja dado reparar todo o desgosto que minhas loucuras ainda lhe darem um dia[7]. (STENDHAL, P: 360)

A nobreza passa a ter medo de suas relações com os outros membros da sociedade, sendo assim, seu criado, seu cabeleireiro, seu secretário passam a ser vistos a qualquer hora do dia como possíveis ameaçadores da ordem, podemos dizer que dentro do imaginário desta nobreza o controle já começava a se desvanecer à medida que o mesmo temia a reação daqueles não nobres.
Estes nobres enxergavam talvez que os ideais oriundos deste século estavam em plena mudança e o inicio desta transformação tinha iniciado justamente em sua Paris, quase como se fosse um centro propagador de difusão de princípios republicanos e liberais por todo globo, inclusive tendo repercussão nas colônias americanas. O auxilio de outras cortes era a ultima saída desta nobreza francesa recuada, porém boa parte das cortês européias se encontravam em baixas condições financeiras, e os nobres ingleses não estavam dispostos a ajudarem depois daquilo que Napoleão tinha feito no passado.

Mais saindo desta observação das práticas definidores de burgueses e nobres no início do século dezenove. Poderíamos pensar que a hipocrisia e a dissimulação de Julien Sorel durante toda obra poderia ser um mecanismo de ataque a aqueles princípios monárquicos, pois era através do seu mérito pessoal que ele conseguia mostrar para aqueles senhores que era tão capaz e “civilizado” quanto eles, era talvez uma forma indireta de atacar esta classe demonstrando toda sua intelectualidade e sua capacidade, incomodando com o seu brilhantismo.
Através deste mecanismo de hipocrisia e dissimulação de se inserir perante a alta sociedade de Paris, pois odiava os modos de relacionamentos daquela sociedade nobre, Julien contrariava a lógica que somente determinadas castas tinham a capacidade de possuir determinados cargos, não podemos esquecer aqui também que seu ídolo inspirador era Napoleão, adorava-o quase como se fosse um Deus.
Neste sentido, julien por tramar uma estratégia de ascensão e de viver com seus possíveis “inimigos” cordialmente, mesmo que de forma hipócrita, pode agir de uma forma indireta para a queda dos princípios monárquicos que os mais tarde os levaram a morte. A impressão que dar é que quando foi colocado por Stendhal que julien vai ser um herói usando a palavra, tivesse o autor em mente que este herói seriadesta burguesia em ascensão do século dezenove, e se Napoleão usou as armas neste combate, julien Sorel usou seu mérito e sua inteligência nesta batalha.
Entretanto este resumo estaria incompleto se não abordássemos os signos e os significados das paixões que envolveram julien Sorel com duas personagens que estavam acima de seu nível social, que foram a Sra. de Renal e a Sra. Mathilda.
A paixão entre indivíduos entre níveis sociais diferentes sempre alimenta muita atenção e curiosidade, pois entre o amor destes quase como sempre nesse tipo de romance é separado ou divido pela questão da casta.
Quanta vez não ficou visível que julien repudiava a Sra. de Renal por achar que ela o tratava como um criado ou um amante qualquer, assim como Julien suspeitou em por boa parte da história do amor de Mathilda, achando que o mesmo se fazia por uma suposta conspiração para acabar com sua promissora carreira.
Talvez as características mais marcantes em quase todos estes romances nos quais os personagens são marcados pelas distinções sociais de origem, são os comportamentos das mulheres. Geralmente são as mulheres que são os seres mais dotados de sensibilidades e sujeitos a irem de encontro contra seus próprios princípios em nome do amor, elas abandonam riqueza, prestigio, e até os privilégios de sua classe. Já os homens pelo seu lado quase nunca são dotadas deste aspecto, são mais duros, frios e passam muitas vezes por insensíveis, calculam cada passo e dificilmente se perdem por uma paixão.
Esse tipo de romance dependendo do final, poder ter significado distinto, no caso de nossa obra em questão o final é trágico e o seu significado será crítico. Poderíamos aqui dizer que quando as histórias de romances têm um final feliz, se entendem geralmente que todas as adversidades que foram encontradas na história foram superadas e/ou acabaram perdendo importância em nome da velha máxima que o amor é capaz de superar tudo e a todos e torna-os iguais, perante o sentimento (bem sentimentalista), independentes de crença, raça, cor e distinção social.
Entretanto quando os romances acabam em um final trágico vem-se revelar uma crítica ao contexto histórico que neles se encenavam ou representavam. No vermelho e o negro, a crítica seria voltada a sociedade de castas, ao principio do nascimento, e ao não reconhecimento do mérito como uma forma distinção entre os homens, e uma crítica também a ambição e a busca alucinada pela riqueza material.
Este será os princípios que não deixarão julien ter um final feliz, é agonia de um homem que viveu neste principio deste século que se inquietava com a realidade que lhe circundava e não era capaz de vê-la de forma feliz.
Não podemos esquecer que em boa parte quando esteve preso julien acreditava ter assassinado a Sra. de Renal, e acabou admitindo para si mesmo que não fez aquilo só por ciúme, mais também pela perda da riqueza que tinha conquistado após o pai de Mathilda ter-lhe dado o cargo de tenente de um batalhão francês. Quando a carta da Sra. de Renal acabou com sua reputação desmoralizando o seu caráter para o pai de Mathilda, seu encheu de ira por ter perdido tudo que já tinha conquistado.
Em minha opinião, e deixando mais uma vez nítido que estou passível de erros, O vermelho e o negro trata-se de uma obra romântica que procurou fazer de uma forma crítica e realista uma descrição complexa dessas diferenças sociais existentes na sociedade francesa do século XIX, Stendhal traz através dos sentimentos e das emoções a subjetividade, que como homem do seu tempo, nenhum historiador contemporâneo pode alcançar.
Talvez a ultima significação que nos resta explanar trata-se das relações de poderes que se relataram no final do livro. Julien quando foi preso recebeu a visita de seus amigos que através de diferentes formas procuraram salva-los da guilhotina, porém enquanto seu amigo, um pequeno proprietário lhe dava a proposta de vender todos os seus bens para subornar o carcereiro da prisão, Mathilda, uma dama da alta sociedade, contratou um advogado e usou de sua influência como nobre para reverter à decisão dos jurados, oferecendo altas quantias.
Fica assim visível e simbolizada nesta parte, que o poder não esta na lei, mais sim nos mecanismos e nas relações que as fazem serem executadas. Julien só foi condenado devido ao ciúme que Sr Valenod uns dos jurados de seu julgamento por ter sido rival de julien no amor pela Sra. Renal, aliado ao fato de este ter garantias que se tornaria teria o governador de Besançon, influenciou os demais jurados para seu veredicto, fazendo um vingança pessoal, porém vale-se salientar por mais que julien fosse culpado mesmo, a lei não foi o que decidiu o destino de Julien, mais as relações em volta do poder.


REFERÊNCIA

Stendhal, O vermelho e o negro; tradução: Souza Junior e Casemiro Fernandes. São Paulo. Abril Cultura. 1979.

1. Stendhal, O vermelho e o negro; tradução: Souza Junior e Casemiro Fernandes. São Paulo. Abril Cultura. 1979.

[2] Grife e Negrito Nosso.
Capitulo XXVI – O mundo, ou o que falta ao rico.

[4] Capitulo VIII, Segunda parte – Qual é a condecoração que distingue?.
[5] Capitulo XIV, Segunda parte – pensamentos de uma donzela.
[6] Grife e negrito nosso.
[7] Capitulo XXII, Segunda parte – a discussão.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Os Absolutismos do Ocidente e do Oriente: Aspectos e Transição.

O absolutismo do ocidente caracterizado pela formação de uma máquina estatal cortesã que procurou, de certa forma, compensar a perda da soberania parcelar dos senhores feudais e os seus poderes sobre o campesinato servil, será bem diferente daquele instaurado no leste europeu, em países, como; Prússia, Rússia, Suécia, Polônia, entre outros.

Uns dos aspectos que os diferenciaram começam pela própria concepção do estado absolutista do leste que, diferentemente do ocidente, não será formado por uma máquina estatal cortesã, e nem os senhores feudais do leste perderão os seus poderes de coerção para o estado.

A explicação para tal diferença numa abordagem marxista se resume na existência de uma pequena camada burguesa pré-existente no ocidente desde da pequenas feiras medievais dos burgos, que terão uma forte ressurgência no período da formação do estado absolutista.

Assim o desenvolvimento das cidades, o aumento do comercio e o intensivo processo de monetarização, contribuíram para evasão do campesinato rural e tiravam o poder de fixação da mão-de-obra centralizado nos senhores feudais. As relações vassálicas já não davam conta do processo histórico dessa sociedade, e uma nova forma de imposição sobre o campesinato era necessária para restabelecer o ordenamento das classes.

É daí que surge à transposição da coerção política, se a servidão não dava mais conta, os tributos e os impostos régios de uma monarquia centralizada seriam responsáveis por esse trabalho. Em troca desta perda criou-se uma máquina estatal burocrática e os cargos criados por isto, serão ocupados por esta nobreza que, assumindo esses cargos, gozarão de privilégios nesta sociedade, levando acima de tudo uma vida de ostentação, pompa e luxo.

Estas são as linhagens do estado absolutista do ocidente, que será bem diferente do oriente, que neste caso, não tiveram em sua formação a existência dessa pequena burguesia comercial que atraiu o campesinato. A formação do estado absolutista do leste será formado por uma forte opressão da classe nobre sobre a camada servil, que após a crise do final da idade média verificará a formação de uma segunda servidão.

E o estado absolutista do leste será formado na urgência de uma máquina estatal militar, devido aos intensos conflitos presentes na região, como, a guerra dos trinta anos e as incursões dos turcos otomanos, e sem dúvida o intenso perigo político das monarquias absolutistas ocidentais mais avançadas economicamente, representavam um perigo a soberania das monarquias orientais. Diferente da nobreza cortesã da pompa, luxo e ostentação ocidental, a nobreza do leste será uma nobreza de serviços, e não existirão tantos privilégios sociais da nobreza do leste pelo fato de pertencerem ao estado absolutista.