terça-feira, 21 de julho de 2009

Artigo publicado na história e-história (http://www.historiahistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=146)

Opressão, repreensão e decadência: a saída de Nassau e os últimos anos da soberania holandesa pós-Nassau, 1644 a 1654.


por Rafael Agostinho Da Silva
Sobre o autor *


Introdução

O cenário da dominação holandesa no Brasil Contemplou eventos muitos importantes em sua época, Marcando traços profundos na história das então capitanias do nordeste Brasileiro, nas quais faziam parte; Paraíba, Pernambuco, Alagoas (sul de Pernambuco), Rio grande do norte, Piauí, Ceará e Maranhão.
Apesar de se tratar de um período curto dentro de uma história mais global, pois a dominação flamenga durou 24 anos (1630-1654), porém não podemos esquecer que a dominação flamenga tratou-se de um período de muita intensidade política, econômica, social e cultural que foi desenvolvida em uma específica região do território nacional (Nordeste).
O seu caráter traz para os historiadores uma característica fundamental para o debate sobre as histórias das colonizações, pois nesta ocasião houve uma “tentativa” de impor uma nova colonização a uma área que vinha sendo colonizada pelos portugueses desde meados do século XVI. Este fato demonstra a grande relevância que têm esse período e talvez a grande existência quantitativa de literaturas e trabalhos científicos que são proporcionados para essas duas décadas e meia de Brasil - Holandês.


A saída de Nassau (1644)

Recentemente talvez por modismo ou por grande influência de uma crescente pós-modernidade a maiorias dos trabalhos sobre a dominação holandesa se encaminham para uma abordagem unilateralmente cultural e fazem verdadeiros tratados sobre a influência cultural holandesa no Brasil e sua incompatibilidade cultural com os luso-brasileiros e com os portugueses que aqui se encontravam, apontando os aspectos diferenciadores dessa região como grande destaque e talvez de fundamental importância para a ruína desta “tentativa” de império holandês.
Destaca-se nestas análises principalmente os períodos que foram governados pelo príncipe João Mauricio Nassau, caracterizado pela maioria dos historiadores como o auge da dominação holandesa no Brasil. Seu governo teve fundamental importância pelos grandes investimentos colocados nos aspectos urbanos, arquitetônicos e culturais. Ressaltemos aqui as construções dos “seus palácios” de Friburgo e Boa vista e o seu grande incentivo a educação dos locais e dos índios Tapuyos.
Contudo este enquadramento por partem de nossos recentes estudos historiográficos foram o que deram gênese e o principal incentivo para a construção de nossa pesquisa histórica sobre o tema em questão. Ao apreciarmos a grande importância dada ao período de Nassau e toda “luz” em volta deste personagem, enxergamos existir certa “escuridão” sobre aquilo que vinha depois dessa fase. Emergindo-nos aqui a necessidade de entender os acontecimentos ocorridos entre “o auge” da dominação e uma possível “decadência”.
Neste artigo estamos procurando responder questionamentos e indagações de tipo; Como foi o período pós Nassau ou pré- insurreição pernambucana? Qual foi a organização política e a posição da república holandesa nesta fase? Houve uma continuidade ou ruptura correlação ao governo de Nassau?. Para responder este tipo de perguntas tínhamos que sair de todo um emblema de discursos e óticas culturais que a pós-modernidade tentar resgatar com grande veemência, buscando numa historiografia abordagens políticas e econômicas que foram de princípio tão predominante no início do século XX.
Dentro desta pesquisa encontramos três historiadores do qual colocaremos em questão para a compreensão do tema, que são; Flavio guerra, e os seus sintéticos livros; História de Pernambuco e uma aventura holandesa no Brasil, Pereira da Costa, em sua grande coleção dos seus; anais pernambucanos, no qual nos focamos no terceiro volume 1635-1665, e terceiro historiador, Hermann Wätjen em seu: O domínio colonial holandês no Brasil. Todos praticamente datam de um mesmo período historiográfico por voltam de 1930 e carregam as influências de uma história política e nacionalista característico de uma historiografia alemã Rankeana, apesar de já estarmos no berçário inovador da recente escola dos Annales em sua origem.
Partiremos de um ponto inicial para começarmos a entender este período, neste caso seria o evento gênese que marcou o inicio da década que estamos pesquisando, por isso iremos debatermos a necessária questão compreensiva de como decorreu à saída de Nassau do governo do Brasil holandês. Segundo Flavio Guerra a retirada do príncipe foi por motivos inteiramente políticos - econômicos que podemos enxergar nesta sua seguinte passagem:
Nassau começara aos poucos entrando em choque, se desentendo com os diretores da W.I.C. Não se coadunando com a sua administração os modos ambiciosos e puramente mercenários dos burgueses de Amsterdã. Passou ele a ser tratado como um perdulário, o “rico príncipe que queria ser imperador nas Américas”. E pressionado pelas impertinências e picuinhas, deixou o governo do Brasil holandês em 1644 regressando aos Países Baixos. (GUERRA, 1979, P.55)
A citação de Guerra resume em escala ampla aquilo que de ponto de vista generalizado se explana sobre a saída Nassau do governo do Brasil holandês, pois existe em ampla aptidão por parte dos nossos historiadores (brasileiros) certa admiração pelo Conde e Príncipe, principalmente, diga de passagem, pela sua grande capacidade administrativa de governar com certa paz e tranqüilidade uma região tão conflitante em seus máximos sentidos.
Pernambuco se tratava de uma região de grande diversidade social, na qual tínhamos; portugueses, negros escravos, luso brasileiros, índios e os próprios holandeses. Assim como a pós-modernidade nos aponta existia toda uma diferencia de modos, costumes, religiões e idéias que davam ao local uma espécie de “caldeirão cultural” que apesar de terem tido ocorridos algumas fusões culturais, as resistências por mais política que fossem acabaram se estruturando em “barreiras culturais” que travavam a homogeneização da região.
Portanto vem desta preposição a importância que se denotam para Nassau, como se fosse ele (Nassau) o homem capaz de amenizar essas diferencias possibilitando num período curto de tempo uma governabilidade “pacífica” a uma região no qual para conquistá-la foi necessária uma grande quantidade massiva de capital.
Não podemos esquecer que a conquista do Nordeste brasileiro gerou comprovadamente um grande débito a empresa comercial responsável pela administração da colônia, a W.I.C(companhia da índias ocidentais) A pouca importância mencionado a esta implicação é demonstrada de forma sintética pelo historiador Guerra na sua seguinte citação:
Com a saída do conde, pode-se dizer que desapareceu na colônia o principio de autoridade. Ele fora o único capaz de equilibrar os interesses da Holanda, sem ferir os da terra, mantendo a paz.(GUERRA, 1979,P. 55)
Essa fomentação de Guerra se baseia acima de tudo nos discursos que explanam o período de Nassau inter-relacionado a uma fase de “liberdade política”, econômica, social e religiosa, no qual o governo do príncipe Nassau proporcionou para superar a crise após a conquista do litoral nordestino, ou melhor, da recém Nova Holanda.
Nesta crise a maioria dos engenhos de açúcar tinha sido devastada e as plantações queimadas durante o processo de invasão, foram necessárias uma grande força diplomática para restaurar a principal economia da colônia, o açúcar. Isto nos é muito bem descrito pelo Wätjen na sua seguinte explanação:
Não era fácil tarefa para o governo Recifense com os insuficientes recursos postos à sua disposição reparar todos os danos causados pela guerra pernambucana, e satisfazer aos diretores em sua ânsia de lucros cada vez maiores. É de admirar, entretanto, que João Mauricio tenha, apesar de tudo, sabido insuflar um novo alento á economia agrícola estiolada e re-erguer a abatida prosperidade do país. (WÄJTEN, 1938,P. 196)
Contudo todo um discurso que Nassau reergueu as capitanias com bases nas mediações e negociações entre os locais e os interesses holandeses deixa por si, incessantes indagações e grandes lacunas para preencher ou então seremos levados a crê num equilíbrio social nos setes anos em que Nassau governou.
Entretanto em nenhum momento podemos esquecer que a dominação holandesa se tratava de uma invasão e que por mais que a diplomacia de Nassau tentasse equilibrar os direitos entre as diversas classes que existiam na Nova Holanda, os privilégios dos holandeses eram visíveis, porém seus atos faziam que esta opressão fosse “maquiada” ou amenizada, isto evidentemente deu uma governabilidade qualificada em correlação aos outros governos holandeses aqui administrados, afastando de seu regime o latente perigo que significava a idéia de dominação. Wätjen e Guerra nos ratificam isto através das suas seguintes citações;
Por mais que fosse ao encontro dos portugueses e procurasse grangear-lhes a amizade, João Mauricio guardava-se em todo caso de lhes confiar postos de responsabilidade, embora pudessem eles, como João Fernandes Vieira e Manoel Calado fazer parte do seu circulo intimo. Ouvi-lhes de bom grado o conselho. Mas em caso algum lhes era permitido ocupar posições em que se pudessem tornar perigosos á dominação holandesa. (WÄJTEN, 1938,P.203)
Pois, maior que fossem os benefícios oferecidos por Nassau aos pernambucanos, seria sempre os holandeses aqueles brutais invasores de linguajar estranho, religião antagônicas, idéias opostos, tudo enfim diferente da velha colonização lusa. O regime flamengo era duro, sem favores, e nunca o braço justiceiro e imparcial de Nassau pudera evitar os favores e as preferências a patrícios da Holanda.(GUERRA, 1979, P. 55)
Se a opressão de uma dominação foi amenizada neste período por Nassau, porém mesmo com todas suas ações “defensivas” ainda existiram muitas rebeliões libertadoras como a do maranhão de 1642, no qual, Nassau desesperadamente exigia urgentemente do alto conselho (Oficiais do centro da administração da W.I.C) mais capital para investir na reestruturação dos fortes, do aumento da tropa e no pagamento em dia dos seus soldos.
No entanto o seu pedido foi recusado com argumentos que Nassau havia gasto uma grande quantidade dos investimentos da companhia nas construções “pessoais” de seus palácios e na formação de uma “imaginaria” corte local. A solução dada do Alto conselho para Nassau era que ele procurasse arrancar juros da produção de açúcar, arcando sozinho com seu próprio governo, podemos dizer que essa reposta secretou a saída de Nassau de Pernambuco.


Junta governamental (1646-1654)

Após a saída de Nassau o Supremo Conselho do Recife assumiu o governo até 1646 onde houve uma reunião dos Estados Gerais para o qual nomearam cinco membros que formariam o alto conselho ou a junta de governo, presidido agora por Walter van Schonenborch. Como nos mostra Pereira da Costa;
Este conselho governou até agosto de 1646, quando foi substituído por um outro composto de cinco membros, com o titulo de alto conselho ou junta do governo, organizado pelo novo regimento de 10 de outubro de 1645 e aprovado pelos estados gerais, ficando nessa parte alterado o que foi dado a Nassau em 1636 (PEREIRA,1983,P.187)
O novo conselho recém nomeado tinha uma dura missão a cumprir. Primeiro tentar substituir o grande status social que Nassau atingiu durante seus os sete anos de governo, os relatos de Wajten (1938) relata que sua saída foi extremante gloriosa chegando a ser ovacionado pela população local que já via com maus olhos a mudança para um novo governo.
Segundo, o clima de rebeliões que voltava a paira na atmosfera da nova Holanda principalmente depois 1642, colocava este novo governo em alerta para possíveis conspirações ou a iminência de um ataque próximo.
As “liberdades dadas” e alguns privilégios compartilhados da época de Nassau foram reconsiderados pela Junta e colocados como “absurdos” para este novo conselho que necessitava de recursos para financiar os custos da colonização. Era necessário impor a ordem novamente para que assim pudessem garantir as safras anuías de açúcar.
Destes cortes de “liberdades” podemos apontar duas ações que tiveram fundamental importância e caracterizaram este governo pós-Nassau. Primeiro a liberdade religiosa, pois a maioria dos portugueses era católica e o fim de sua liberdade religiosa foi um banque moral muito grande para os colonizados.
Usando simplesmente a argumentação da imposição política o novo governo pós Nassau chegou ao extremo apontando e denunciando as igrejas católicas como base para a conspiração dos rebeldes, contudo o que se escondeu neste discurso foi à incapacidade da Junta Governamental de abafar os insurretos através da capitulação dos seus líderes, tomado atitudes que provocavam ainda mais ódio existente na população pelos holandeses. Flavio Guerra classificou a organização política deste período pós Nassau com as seguintes palavras;
Dirigidos novamente por um governo militar, os invasores retornaram a ser apenas dominadores, e desencadeou-se outra vez brutal a incompreensão entre os da terra e eles, que aumentou e tomou aspectos mais grave quando os judeus e protestantes voltaram a ultrajaras crenças, passando a fechar igrejas, devassar conventos, sacristias e até capelas de engenhos, onde se dizia estarem se reunindo conspiradores. Havia qualquer coisa de real nas suspeitas. Era o foco do irredentismo que começava a lavrar. (GUERRA, 1979, P.55)
Outro ponto que causou profunda rebelião nos moradores recifenses correlação ao novo governo foi o modo duro de como foi cobrado às dívidas que os próprios holandeses teriam ajudados os portugueses a criar no período de Nassau. Essas dívidas foram provocadas pelo processo de recuperação dos engenhos pós a guerra de conquista e que foram pagas através de empréstimos holandeses aos proprietários locais num preço de altos juros.
Nassau durante o seu governo vivia prorrogando o prazo para não criar convulsão e evitar assim que o sistema de produção de açúcar parasse, pois para Nassau isto sim seria muito preocupante para a Companhia. O que não aconteceu com o novo governo que procurou reaver esses capitais de volta usando da excessiva brutalidade nas cobranças destas dívidas.
Essas ações praticadas pela nova Junta contribuíram para intensificar as conspirações dos insurretos que começaram a se preparar com mais força, conseguintemente esta opressão resultou num aumento dos números de conflitos que necessariamente precisaria de mais capital para deter estes novos conflitos e principalmente para equipar o exército e pagar seus soldos.
No entanto em meio ao conflito o único meio de gerar capital acabou se paralisando neste tempo, pois a área comercial das cidades e essencialmente as produções de açúcar não conseguiram se estabelecerem produtivamente num período de guerra e como nesse tempo os estados gerais e a companhia não queria mais desperdiçar dinheiro com a colônia a Junta se enxergava isolada e sua manutenção dependia unicamente de seus esforços.
Nessa conjuntura existia uma grande desconfiança por parte da Junta de haver uma grande corrupção na emissão do capital, ou seja, desvios dos capitais dos acionistas vindo da Europa, com isso uma grave crise econômica estava sendo formada e por questão de tempo isto levaria na derrocada holandesa e na insurreição pernambucana.
Com base em tudo que já argumentamos podemos agora responder as perguntas que logo de inicio colocamos como “os holofotes da pesquisa”. Primeiro, o período pós Nassau foi de intensa opressão e muitos dos “favores” que Nassau tinha colocados em prática em seu governo foram abdicados, isto fruto de uma intensa necessidade de restaurar os cofres da companhia responsável pela administração da colônia na época, que vivia neste período em enfermo prejuízo.
Segundo, a organização política desta fase se caracterizou por cinco membros nomeados pelos Estados Gerais dos países baixos que assumiram uma posição extremamente opressora de cortar gastos com administração local tendo agora a junta local à obrigação de arcar sozinha com suas despesas.
Terceira e ultima indagação que fizemos foi sem houve ou não ruptura em correlação ao governo de Nassau, podemos afirmar aqui que houve mudanças nos modos mais não uma ruptura, pois a opressão está presente nos dois períodos, quanto no governo de Nassau de forma suave, tanto quanto no governo pós Nassau de forma dura e militar.

Considerações finais

O estudo retratado aqui se trata apenas de umas das abordagens possíveis que a História pode proporcionar em suas variantes incalculáveis, Construídas com as mesmas fontes usadas ou com outras mais abrangentes e oportunas sobre o mesmo assunto. Sucintamente levamos em conta que o período em questão ainda é muito pouco abordado e havendo certo esquecimento por parte de nossa historiografia.
Podemos explanar que essa “esclerose” de esquecimento é fruto de todo um discurso historiográfico que enobrece com grande “brilho” e pompa a fase de Nassau na dominação, vista inclusive como uma espécie de “idade de ouro” do período holandês. O pós-Nassau é certamente algo que só é visto como uma decadência não se levando em consideração os fatos que marcaram e caracterizaram este período.


Referências

COSTA PEREIRA, F. A: Anais pernambucanos. Recife: Fundação Do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, 1983. 3 v.
GUERRA, Flávio: História de Pernambuco. Recife: Assembléia legislativa Do Estado De Pernambuco, 1979.
GUERRA, Flávio: Uma Aventura Holandesa no Brasil. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1977.
WÄJTEN, Hermann: O domínio colonial holandês no Brasil. Tradução: Pedro Celso Uchoa Cavalcanti. Recife: Companhia editora nacional, 1938.


* Graduando em História pela UFPE.
Cadastrado no CNPQ, rafasilva2@gmail.com

FONTE: www.historiaehistoria.com.br