domingo, 11 de julho de 2010

Contribuição ao estudo sociológico dos mercados Nagôs do Baixo Daomé.(Pierre Verger, Roger Bastide)

O texto repercute a constituição do mercado africano, pormenorizando em sua riquíssima descrição os seguintes aspectos norteadores de sua compreensão; sua estrutura e os diversos tipos de mercados e comercio, sua organização social e a compactação de sua rede social, o cotidiano urbano e rural, a relação de gênero no trabalho, a relação econômica entre os compradores e vendedores dos mercados, a chegada desse tipo de mercado e comercio na América pré-comlobiana Portuguesa e Espanhola e a influencia da industrialização e a construção de estradas no transporte e na ligação dos mercados, este ultimo ponto, tem forte ressonância no mercado e nas distintas sociedades africanas do baixo do Daomé, mas especificamente sobre os povos Seketé-ketu e os de influencia Ioruba, formadora da nação nagô.
O Pierre Verger, de principio argumenta que coexistem diferentes tipos de comercio e mercado presente no cenário africano, colocando numa ótica tradicional do ponto de vista conceitual, o mercado da África, aonde a compra e a venda dos produtos se realizam dentro do mercado e não no local da produção, tornando-se distinta da formação dos mercados europeus, pois a negociação ocorre diretamente entre o vendedor e o comprador, sem intermediários, pois os vendedores vêem muitas vezes a pé, de ônibus ou caminhão, carregando sua própria mercadoria, e é proibido a comercialização anterior ao local do mercado, protegendo assim os pequenos comerciantes e equilibrando a livre concorrência, os preços na maiorias das vezes é fixo num determinado mercado.
Há também de explanar a existência de diferentes tipos de mercados; o grande mercado, que acontece geralmente durante o dia, que reúne uma grande concentração populacional de distintas regiões e etnias realizados a cada 4 dias, fixada num determinado local de acordo com dia de determinada divindade da religiosidade tradicional africana, assim, cria-se uma grande rede de mercadorias, informações e inter-relações culturais entre as mais distintas etnias africanas, existem também um mercado noturno, voltado para o comercio de refeições e pratos prontos e para os solteiros que por não terem uma esposa aproveita a oportunidade para realizar suas vendas e compras, abrindo espaço também para os que não tiveram a oportunidade de venderam sua mercadoria durante o dia, tem-se também os mercados regionais, voltado para atendimento da vizinhança durantes os outros três dias em que não acontecem o grande mercado na sua cidade especifica, e por ultimo, a existência de mercados locais de barracões, geralmente feito por mais velhos, que geralmente não tem condições físicas de carregar suas mercadorias no circuito dos 4 dias de grande comercio entre as cidades diferentes e acabam colocando sua tenda no quintal ou próximo de sua casa.
Pierre Verger, pautando-se numa perspectiva sociológica, estuda a influencia do mercado itinerário de quatro dias dentro do arquiteto ideológico tradicional das sociedades africanas, que baseadas nas linhagens e as nas suas narrativas de origem evocadas através dos orixás de cada etnia presentes no mercado, estabelece um organização social complexa do mercado, a existência de leis próprias, que apesar de existir o policiamento do estado para o cumprimento das regras do mercado, (exemplos, venda de produtos fora do mercado, comprar sem ter recurso financeiro, etc) é de costume respeitar as leis dos mercados que são geralmente fecundadas com a religião, ou seja, a punição vem da própria divindade, que variam de região para região, a principal divindade evocada no comercio e no mercado africano é Exu, o deus da transição, aquele que abre e fecha as portas nas passagens entre o mundo material e espiritual. Assim são feitos várias manifestações de adorações e presentes dados para os orixás, tendo em visto o sucesso no mercado.
O espaço ocupado dentro do mercado é direcionado pela etnia que pertence o vendedor em questão, e o tipo de produto comercializado por ele, formando blocos de mercadorias dentro do mercado, exemplos, vendedores de carnes numa área, de tecidos em outras, consertadores de bicicletas em outras partes do mercado e assim posteriormente com os outros produtos, existe também uma divisão do trabalho nas sociedades africanas que coloca a mulher como a principal articuladora do comercio (mas não somente ela, pois os homens também comercializam), pois é ela a responsável pela venda dos produtos colhida nas plantações, (trabalho geralmente realizados pelos maridos) e compra os alimentos para a família. Essa independência da mulher representa uma forte característica das sociedades de origem ioruba.
Essa produção feita nas fazendas é sancionada de acordo com as estações e são compartilhadas durante todo ano, assim, por exemplo, o óleo de palma, produto típico da região, tem uma produção controlada para que a renda produto dure para todo o ano, o homem tem sua renda através da venda de sua plantação para sua mulher que vendem o produto no mercado e compra outros produtos para sustentação da família, trata-se de um sistema econômico e social tradicional pautado nos costumes e nas crenças dessas sociedades.
Contundo o principal enfoque de Pierre Verger, sobre o cenário do mercado africano, ficou por parte da constituição das redes sociais, esse deslocamento de mercadorias, pessoas e informações, torna-se um contrapeso essencial para relações sociais na África, que segundo Pierre Verger tem uma forte estrutura de compartimentalização, ou seja, diversos grupos humanos ligados a sua linhagem e sua narrativa de origem, no qual sua relação com outro é mediado por essa ancestralidade, nem mesmo a colonização e o sentimento de nação conseguiram destruir a cultura da ancestralidade africana ligada a religiosidade de seus orixás, contundo nem sempre esse relação entre esses grupos humanos foram solucionados ou travados pelo conflito, como explica a tendência dispersadora, como cita Verger ao mencionar a teoria de Durkheim, sobre as relações e os contatos sociais.
Entretanto, lembrando que essa compartimentalização também pode levar a alianças e concentrações, e neste caso, o mercado africano seria o ponto de dialogo e junção dessas etnias de forma pacifica mediada por leis, organizações e costumes sociais respeitados por todos que freqüentam o mercado. O mercado é elo de estabilização das sociedades africanas e é lá que as culturas se misturam e se mesclam com as inovações, mesmo que nunca se perda de vista a tradição, acontecendo de forma gradual e progressivamente, exemplo, as constantes mudanças na moda de roupas das mulheres africanas freqüentadoras dos circuitos do mercado, portanto trata-se de uma estrutura social fundamental, pois também representa uma espécie de “jornal” social, ou de “jornal vivo” para usar as palavras de Verger, pois as informações sobre o cotidiano são rapidamente espalhadas pelos mercados afora, o encontro no caminho de uma cidade para outra de famílias, criam uma verdadeira redes de informações sobre os eventos acontecidos numa determinada região, exercendo também sobre outro ponto de visto, um controle social sobre a vida de cada grupo pertencente a aquele mercado, assim, quando temos acontecimentos privados, como casamentos, festas de divindades de determinadas etnias, nascimentos de filhos, existem ritos ou cerimônias que identificam para todo o mercado um determinado evento social na vida de cada participante do mercado, a função do mercado é de a mesmo tempo de junção, estabilização e concentração e conseqüentemente de controle social sobre a vida privado dos indivíduos que participam dessa rede social fomentada.
Porém essa estrutura do mercado africano vem sofrendo forte impacto com o processo de forte industrialização ocorrido no pós-colonianismo (do século XIX) a compra de mercadorias passou a se dar diretamente no local da produção, acabando a relação comercial entre o homem e a mulher (plantador e vendedor), e a produção voltada para máxima eficiência e exportação acabou com o regime de agricultura sancionado que gerava renda durante quase todo ano para as famílias africanas, assim só resta a compra e venda de produtos, como única maneira de gerar riqueza.
A intensificação das construções de estradas vem diminuindo os espaços entre os grandes mercados, portanto influenciando diretamente na rede social estabelecida de 4 dias de mercados, que devido a grande mobilidade o comercio começa ser realizado em menos tempo, ao mesmo tempo enfraquece os mercados regionais que geralmente ficam com alguns vendedores que não tiveram sucesso durante o dia, além disso vem provocando uma onde de atravessadores que compram a mercadoria diretamente do produtor e vem vender no mercado com outros produtores.
Na América Pré-colombiana, o mercado africano formada em redes sociais não pode ser reproduzido devido à estrutura socioeconômica em que se estruturou boa parte da América, como exemplo o caso da região de colonização Portuguesa, que voltada para agra exportação, tinha no latifúndio sua organização social, onde as cidades geralmente portuárias ficavam muito longe da área rural e o comercio urbano era muito restrito, na Bahia, as baianas que carregavam seus produtos em cestas nas cabeças e montavam tendas de produtos alimentícios como o acarajé, feito de óleo de dendê, representa a herança do mercado local africano, tipicamente realizado nas ruas ou ao redor da casa grande.

Referência:
Verger, Pierre, Bastide, Roger, Contribuição ao estudo sociológico dos mercados Nagôs do Baixo Daomé.

Nenhum comentário: