quarta-feira, 28 de maio de 2008

Jurisdição, historiografia e transição

Jurisdição, historiografia e transição


A aplicação das leis que marcaram a transição entre o trabalho escravo e o livre no Brasil do final do século XIX foi travada por intensos conflitos de âmbitos econômicos, políticos e sociais, dos quais as heranças oriundas desta fase estarão presentes no contexto social do atual país. Na verdade, a gestação, a forma, as aplicabilidades e as repercussões destas leis encaminharão como fundamental para explicação de tal passagem, porém até então não vemos em grande amplitude em nossa historiografia abordagens que assimilam os aspectos principais dessas leis.
Focar-nos-emos aqui a contextualizar as leis Eusébio Queiroz, do ventre-livre, a do sexagenário e a lei áurea. As abordagens em geral dentro de nossa historiografia, incluindo aqui a “escola sociológica paulista’, que tem nomes como; Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso ( teoria da dependência) Emília Viotti entre outros, se encaixam numa explicação marxista para essas leis enquadrando-as principalmente com fatores externos de mudanças de sistemas econômicos, neste caso, estes leis tratam-se de um reflexo da passagem do capitalismo mercantil para o industrial que não se compatibilizava com o trabalho escravo.
Funcionaria assim como intermediação gradual e lenta para adaptação a um novo sistema em gênese em uma economia mundial, e mesmo a abordagem regionalista de Emilia Viotti não conseguiu escapar desta premissa marxista, mais vala-se se ressaltar que a mesma aponta os conflitos internos estruturais como reflexo dessas mudanças como a que ocorreu no oeste paulista entre os barões de café do vale do Taubaté e do vale do Paraíba, pois enquanto um já havia iniciado uma lenta transição entre o trabalho escravo para o livre através da imigração o outro ainda dependia do trafico inter-regional de escravos oriundos principalmente do nordeste, ou como a mesma chama, o conflito entre o velho e o novo, o atrasado e o moderno, que apesar de colocar uma abordagem interna como explicação para elaboração graduais destas leis acaba se prendendo ao marxismo em autodenominar velho e novo ou atrasado e moderno senhores que estão inseridos num mesmo contexto histórico.
Uns dos trabalhos isentos dessas raízes marxista da década de 60 é o trabalho da professora Sylvana Brandão em seu livro, lei do ventre-livre, mãe escrava[1], do qual fundamenta que está lei será essencialmente favorável aos senhores de escravos, pois ao contrario do que se possa imaginar enxergando esta lei através das perdas de suas propriedades (escravos) e principalmente a perda do ultimo meio de reprodução da escravatura no Brasil, a reprodução sexual, do qual só estes fatores já demonstram os prejuízos destes senhores com promulgação de tal lei, a abordagem de Sylvana irá buscar na circunstância da época a provas que contrariam a lógica que lançada de premissa parece inegável.
O Brasil na segunda metade do século XIX terá uma grande perca no seu contingente numérico de escravos dentro do império, isso sem dúvida teve grande parte de explicação as pressões externas oriundos de outros países, principalmente a Inglaterra. Vala-se lembrar que o Brasil será o ultimo país ocidental a eliminar a escravatura de sua constituição e durante o período do final do século somente Brasil e mais duas colônias espanholas no caribe ainda tinha tal regimento em suas sociedades.
Essas pressões influíram principalmente nas mentes dos partidários dos liberais no Brasil que em ao obter uma supremacia política na assembléia aprovarão a lei Eusébio Queiroz (1850) que tinha como princípio a eliminação do tráfico oriundo da áfrica. Lógico que a aplicabilidade desta lei em sua totalidade demorou um certa tempo e os registros de contrabando nas páginas de crimes estão cheias de casos que ilustra as praticas ilegais no sentido de manter fluxo de reabastecimento de escravos, no entanto afirmar que devido a isto não houve impactos na estrutura da escravidão já é um absurdo.
Os estudos quantitativos de Mary Karasch em seu livro; a vida dos escravos no Rio de janeiro (1808 a 1850)[2] demonstram através dos documentos de batismos e dos celsos feitos na época a decadência demográfica da população escrava no principal eixo político do império, ainda vale-se ressaltar na abordagem da autora dessa ruína populacional o grande surto de febre amarela e cólera que atingia em cheio os escravos que viviam nas piores condições higiênicas nesta época. Portanto os números de contrabando não darão conta de manter equilibrado em nível nacional o contingente de escravos por regiões e logo as diferenças regionais iria eclodir no Brasil imperial.
Neste contexto Sylvana Brandão que analisa a lei do ventre e as repercussões dentro da sociedade nos trará uma grande contribuição para explicação da gênese dos conflitos inter-regionais envolvendo principalmente a questão da escravidão e os conflitos políticos entre norte e nordeste e o centro-sul do país.
Sabemos que a segunda metade do século dezenove também é marcada do ponto de vista econômica por uma grande transição do principal produto “carro-chefe” da economia brasileira, pois o açúcar estava em declino pela queda de preço ocorrido no mercado internacional ocasionado pelo excesso de oferta e o aumento da competividade regional, principalmente com os outros países latinos americanos da região do caribe enquanto o café estava em grande ascensão, do qual o que veremos é o deslocamento do centro dinâmico do poderio econômico nacional que girava agora sobre as mãos dos barões de café do centro sul do país.
O fato é que o trafico inter-regional de escravo partirá do nordeste para o sul, já que os senhores de engenhos de açúcar nordestinos já não tinha tantos meios da manter seus escravos e a sua venda ou aluguel parecia como uma solução monetária sustentável. Essa disparidade de posses de escravos entre regiões e conseqüentemente o inicia de uma relação de trabalho livre prematura, baseada principalmente no nordeste pela massa de libertos que vinha crescendo dentro das cidades e dos campos que será o principal alicerce para os debates político que se travaram por um longo processo de busca pelo fim das relações escravista no Brasil.
Este processo que segundo a perspectiva de Sylvana terá seu gênese calcada na lei do ventre livre, no qual caracteriza esta lei como um projeto nacional elaborado pela política imperialista de D. Pedro II, que tinha como objetivo a transição gradual e lenta do trabalho escravo para o livre e que se fosse mantido principalmente os privilégios dos donos sobre os escravos fazendo isto através da criação do fundo de emancipação para libertação da escravatura, um imposto pago principalmente pelos libertos como um meio para indenizar os donos das perdas causadas pela lei abafando assim qualquer espécie de uma rebelião que provocasse um grande surto político econômico dentro do país.
Este processo será digerido aos poucos pelo contexto político nacional e ganhará forte oposição principalmente por políticos liberais ligados aos barões de café do centro sul que se sentiam prejudicados por tal lei, porém sem muitos argumentos e muitas vezes acusando o imperador de absolutista e de querer desorganizar o país, no entanto aos poucos acaba sendo vencidos pela bancada conservadora do norte e nordeste em maior número nas assembléias ministeriais, nas câmaras e no senado.
Algo muito parecido com este impasse político de resistência a tais leis oriundas do governo estatal será evidenciada na lei dos sexagenários de 1885 que será agora colocado por um ministério liberal liderado por Souza Dantas, entretanto os mesmos Barões de café irão opor-se novamente, pois a maioria dos sexagenários se encontrava em suas posses e enxergavam com limosidade tal lei. Diferentemente da lei do ventre livre que passara pela assembléia sem modificações no seu corpo jurídico a lei dos sexagenários terá modificada sua data de libertação dos escravos, que passara de 60 anos para 65.
Este processo extenso até então terá seu Capitulo final na promulgação da lei áurea de 1888, que terá seu contorno ideológico traçado principalmente por uma historiografia marxista que pela ação do movimento republicano e as repercussões oriundas dele fazem unir ou ligá-los ao movimento abolicionista.
O fato é que a imagem do imperador e da monarquia estava arranhada pela guerra platina e o crescimento da influência do exercito nacional que já mantinha articulações políticas em níveis locais serão as principais bases para aclamação da republica e os exagerados discursos que se ressaltar que a escravidão era à base da monarquia que a acabar com a escravidão através da lei áurea teria sido como cortado o “anel e o dedo” de sustentação do governo deixar muito a desejar até porque como vimos a lei do Eusébio Queiroz, do ventre livre e depois do sexagenários já vinham decretando fim aos poucos da escravidão inclusive como projeto nacional que tinha apoio por boa parte por exemplo dos senhores de engenho do nordeste, esse discurso tenta obscurecer na história as influencias dos escravos na promulgação da lei áurea já que temos neste período o auge dos movimentos abolicionistas e a força deles não podem ser enquadrados como um manipulação por parte do movimento republicano, mas sim como determinante para em termos jurídicos fosse decretados o fim da escravatura, não podemos esquece aqui que na America latina tínhamos o Haiti com um exemplo negativo no qual negros tomaram o poder e o medo de o “filme se repetir” se encaracolava nas entranhas das mentalidades das elites sejam elas cafeeira ou açucareira.
Contundo vala-se ressaltar dentro deste processo jurídico de debates políticos com interesses econômicos as ações dos escravos no sentindo de encaminhar o mais rápido possível a transição de sua condição servil perante a sociedade, pois autores como Schwartz[3] e Sidney Chalhoub[4], ressaltam as limitações de poderes dos senhores donos de escravos sobre suas posses e como muitas das vezes os escravos usava os artifícios das leis contra seus próprios donos conseguindo vantagens perante uma sociedade escravista, portanto não podemos atribuir as aplacações destas leis como uma mera questão econômica do qual a passagem para trabalho livre se tornaria mais viável através das imigrações, é necessária encaixá-la como um processo de intermediações entre pressões externas, conflitos regionais e as ações dos escravos em prol de sua liberdade do qual sem esta ótica acaba-se restringindo ora pelo fator econômico, ora pelo um fator ideológico oriundos dos discursos abolicionistas que também tinha seus limites de ação perante um cenário nacional.










Referências bibliográficas

PINSKY, Jaime,. A escravidao no Brasil. 16.ed. -. Sao Paulo: Contexto, 1998.. 78 p.
CHALHOUB, Sidney.. Visoes da liberdade uma historia das ultimas decadas da escravida na corte . Sao Paulo: Companhia das Letras, 1990.. 287p. ISBN 85-7164-116-1 (broch.).[5]
LARA, Silvia Hunold, 1955-. Campos da violencia: escravos e senhores da Capitania do Rio de Janeiro : 1750-1808 . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.. 389p. (Oficinas da história)
SCHWARTZ, Stuart B.. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001. 305 p. (História) ISBN 857460125X (broch.)
VASCONCELOS, Sylvana Maria Brandao de.. Ventre livre, mae escrava: a reforma social de 1871 em Pernambuco . Recife: Editora universitaria da UFPE, 1996.. 127 p. ISBN 8573150521 : (broch.)
KARASCH, Mary C., A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: broch.)
[1] VASCONCELOS, Sylvana Maria Brandao de.. Ventre livre, mãe escrava: a reforma social de 1871 em Pernambuco . Recife: Editora universitaria da UFPE, 1996.. 127 p. ISBN 8573150521 : (broch.)

[2] KARASCH, Mary C., A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 643 p. ISBN 8535900284 (broch.)

[3] SCHWARTZ, Stuart B.. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001. 305 p. (História) ISBN 857460125X (broch.)

[4] CHALHOUB, Sidney.. Visoes da liberdade uma historia das ultimas decadas da escravida na corte . Sao Paulo: Companhia das Letras, 1990.. 287p. ISBN 85-7164-116-1 (broch.).

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