sexta-feira, 4 de julho de 2008

Diretas Já: Uma análise panorâmica sobre o seu significado histórico e político


Meados de 1983. No Brasil, o regime ditatorial militar iniciado em 1964 dá sinal de desgastes políticos, institucionais e de aceitação popular. O milagre brasileiro acabara, a inflação chegara a índices superiores a 100%, as desigualdades sociais aumentaram sensivelmente, a censura virara motivo de criação de grandes charges em revistas como o Pasquim e em jornais como a Folha e o Estado de São Paulo. Mudanças no jogo político eram ansiadas por grupos sociais que haviam surgido no final da década de 1970 como o Partido dos Trabalhados e a CUT, por exemplo. Um clima de efervescência social desencadeado pela crise econômica, pelo surgimento de novos grupos sociais que queriam ampliar as possibilidades de participação política e de formação de uma sociedade efetivamente mais democrática e pelo aumento da concentração de renda se constituiu como o pano de fundo do movimento das diretas já.
Desde a segunda metade da década de 1970, durante o governo Geisel, o regime militar se direcionava, ao menos teoricamente, para uma transição político rumo à democracia “lenta, gradual e segura”. As mortes do operário Manoel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog provocaram grande comoção popular e uma organização de protestos de setores da Igreja Católica, da sociedade civil organizada (as associações de bairro, mães de presos e “assassinados” políticos, etc.) e de pessoas que faziam oposição ao regime, com vistas a extinção do mesmo, contra a censura e as inúmeras mortes provocadas pela máquina de tortura e de assassinatos construída pelos militares. No início da década de 1980, devido aos fatores já mencionados no parágrafo anterior, as bases sociais da ditadura militar estavam em ruínas.
Nesse contexto, conjugaram-se todas as condições para a eclosão do movimento das diretas já. Alfredo Tosi descreve os dias em que ele ocorreu como “ momentos de ‘loucura’, dias de vertigem durante os quais era muito difícil raciocinar com base nos padrões usuais da política brasileira.”[1]. Do final de 1983 até junho de 1984, milhões de brasileiros em várias cidades do país saíram às ruas, como não se via desde 1968 e em alguns dias do ano de 1976, a fim de demonstrar não só a sua insatisfação com o regime autoritário, mas também manifestar o desejo de construir um país melhor, no qual a democracia fosse viável e as pessoas pudessem ter emprego, renda e direito de participar ativamente das discussões e das realizações políticas. Esse foi o sonho desses brasileiros que a partir das diretas já começou a ser realizado, apesar das inúmeras frustrações que acontecimentos como a não aprovação da Emenda Dante de Oliveira e a morte de Tancredo Neves acarretaram. Foi o início da caminhada do povo brasileiro rumo à instauração de um regime democrático mesmo que basicamente de modo formal, infelizmente.
Entretanto, indubitavelmente, o jogo das forças políticas se ampliou sensivelmente a partir do final da década de 1970, o que foi um aspecto fundamental para que as diretas já existissem, e, principalmente, tivessem a abrangência que tiveram com um movimento político-social pujante de luta pela derrubada da ditadura militar e pela construção de uma democracia participativa. A afirmação pertinente do autor de Diretas já oferece um panorama geral sobre essa dinamicidade na construção e atuação desses novos grupos sociais que surgiam e ganhavam força política no final da década de 1970. Em suas palavras: Diversos estudos já demonstraram que, durante a década de 1970, a presença de militantes de extração católica, ligados a organizações de esquerda e de sindicalistas, privados dos canais usuais de expressão por causa da repressão política, acabou contribuindo para o desenvolvimento de uma enorme rede de movimentos populares urbanos. Fora da ‘grande política’, tais militantes tomaram como trincheira de luta espaços como fábricas, associações de moradores, movimentos por moradia, contra o aumento do custo de vida, movimento estudantil, etc., especialmente nos centros urbanos. Eles mobilizaram pessoas até então sem participação política ativa, ajudaram a organizar instituições populares e a confrontar o poder público em nível local.”[2].
Do surgimento desses grupos políticos atuantes, mesmo que inicialmente apenas em nível local, e, concomitantemente, dos sucessivos desgastes político-sociais do regime é que o movimento das diretas já foi possível e ganhou as proporções amplas, as quais agitaram o país durante cerca de 6 meses, envolvendo os mais diversos setores da sociedade brasileira. Essas condições históricas que foram se acentuando até os últimos dias do regime militar deram ensejo à sua queda. Contudo, como o próprio Alfredo Tosi, de maneira bastante pertinente, afirma, o significado histórico das Diretas Já ainda precisa ser mensurado e criticamente analisado pelos historiadores, cientistas sociais e cientistas políticos.
Esse processo de maior participação da sociedade no jogo político começou a ganhar força, como já foi dito, no governo Geisel, inclusive no âmbito da política institucional. A oposição a cada eleição que se passava, a partir das eleições legislativas de 1974, ganhava mais força política e vagas na câmara. Em 1979, houve uma reforma partidária na qual foram criados partidos como o PT, o PDT, o PTB, o PMDB, o PP e o PDS. Esta reforma fez parte de uma estratégia de “transição” articulada pelo governo militar, mais especificamente pelo general Golbery do Couto e Silva, cujo principal objetivo era controlar as forças políticas de oposição ao status quo instituído em 1964. Em conjunto com essa concessão dos militares à oposição, outras medidas foram tomadas para arrefecer os ânimos dos grupos sociais que atuavam pela reinstauração da democracia e da oposição mais atuante contra o regime militar. Entre essas medidas, pode-se citar o controle sistemático do colégio eleitoral, feito paulatinamente através de emendas constitucionais que diminuíam a representatividade da oposição e do voto popular como instrumentos de escolha dos membros do colégio e as medidas de emergência decretadas pelo presidente para combater quaisquer reuniões de pessoas para discutir política. Nesse sentido, também forma tomadas medidas proibitivas de transmissão das sessões parlamentares em que se discutia a sucessão e posteriormente a votação da Emenda Dante de Oliveira no dia 25 de Abril de 1984.
As discussões em torno da sucessão presidencial se acirraram nos últimos meses de 1983 e nos seis primeiros de 1984. No âmbito político-institucional, a disputa basicamente se dava entre aqueles que queriam as diretas já para as próximas eleições, os governistas que queriam algum político do PDS como sucessor do presidente Figueiredo e aqueles que acreditavam numa sucessão negociada entre governistas e oposicionistas. Enquanto isso, a mobilização das diretas já ganhava as ruas do país, aglutinando milhões de pessoas que em uníssono gritavam e cantavam o sonho de um Brasil democrático e com mais justiça social. Embora não tenha vencido com a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, o movimento das Diretas já modificou a amplitude das discussões políticas e dos sujeitos atuantes na determinação dos destinos do país, mesmo com as tentativas das elites políticas de suprimir o povo do processo de decisão dos rumos do Brasil. Mesmo com a vitória parcial dos militares, ou seja, da ala política que defendera uma “transição conciliadora”, o jogo das disputas e da participação das forças política foi ampliado, o que resultou posteriormente, mais especificamente em 1989 na eleição direta de Fernando Collor de Mello. Em 1985, Tancredo Neves, o candidato da conciliação seria eleito pelo colégio eleitoral o Presidente da República. A ditadura militar chegava ao fim, por meio de eleições indiretas (como queriam Figueiredo e boa parte dos pessedistas), mas o Brasil começava a entrar em uma nova fase histórica por velhos meio é verdade. No início de 1986, com a morte misteriosas de Tancredo Neves, assumiu o pessedista José Sarney. Contudo, algumas organizações sociais conquistaram vez e voz no contexto da política nacional e o regime institucional de 1964 chegava, mesmo que ainda existissem resquícios dele, ao seu fim.
BIBLIOGRAFIA

Ø RODRIGUES, Alfredo Tosi. Diretas Já: o grito preso na garganta. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.



[1] RODRIGUES, Alfredo Tosi. Diretas Já: o grito preso na garganta. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. p. 11.
[2] Idem, Ibidem. p. 13.

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